terça-feira, 17 de maio de 2011

A Relevância da Teologia Na Formação Ministerial

Palestra realizada por ocasião da formatura da turma
de Bacharel em Teologia do Seminário Teológico Betel Brasileiro
Niterói, Agosto de 2010

                 Estimados irmãos em Cristo Jesus,
                Senhora diretora do Seminário Teológico Betel Brasileiro irmã Maria Nazaré Menezes; senhora coordenadora pedagógica do Betel Brasileiro, irmã Marly Santana Moraes; demais autoridades religiosas presentes; estimados colegas da gestão do Betel; meus igualmente, estimados amigos de magistério; preciosos alunos formandos, por quem tenho nutrido profundo respeito e carinho, quero lhes informar que me sinto honrado em poder fazer parte deste momento histórico da formação teológica de cada um de vocês e, clamo ao Senhor nosso Deus, que Ele lhes conceda a bênção da paixão ministerial como ponto de partida para a concretização dos  propósitos divinos para a vida de cada um de vocês.
                Digo ponto de partida, pois entendo que ministério, na dinâmica do Reino de Deus, não é um fim em si mesmo, mas um meio para o conhecimento e desenvolvimento da vontade de Deus para a humanidade através da instrumentalidade dos santos que somos todos nós (nós vivemos objetivando cumprir à Sua santa vontade). Sendo assim, é óbvio que a formação acadêmica traz um paralelo de relevância considerável à formação ética e espiritual daqueles que se propõem a conhecer a santa doutrina de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo para o exercício de suas vocações.
                “Conhecer” é a palavra. O conselho do profeta Oséias, há aproximadamente 800 anos antes do nascimento de Jesus, e que ainda ecoa em nossas mentes é exatamente este: “Conheçamos e prossigamos em conhecer ao Senhor...”.
                Conhecer é a palavra; conhecer é o conselho; mas conhecer também é o compromisso. E é embasado neste compromisso que tentarei, junto com todos aqui presentes, analisar as razões pelas quais a teologia é relevante em nossa formação cristã, bem como as implicações que a teologia pode ter para a contemporaneidade de nossos ministérios.
                Parece-me que ao longo de nossa formação acadêmica, nos acompanham algumas inquietantes questões de caráter teleológico, ou seja, dos fins ou dos meios pelos quais temos que estudar determinadas disciplinas, principalmente quando tais disciplinas nos são apresentadas sob um caráter científico e completamente despidas de quaisquer pretensões espiritualizantes, invadindo nossa formação religiosa e nos levando a perceber que há mais coisas para serem conhecidas além daquilo que sonhamos ou que construímos em nossa caminhada pelas instituições manipuladoras de convicções.  Esta questão, de perfil exclusivamente acadêmico, tem gerado algumas interessantes atitudes de defesa das convicções primeiras, no sentido de preservar uma fé, que possivelmente seja muito mais produto de uma construção religiosa ou de uma espiritualidade templária, do que necessariamente uma fundamentação bíblica e histórico-doutrinária. Nada que uma releitura psicológica e sociológica de nossa religião não possa nos esclarecer.
                O que muitas das vezes nos foge a percepção, é que ministério não é uma atividade profissional cerceada pela ekklesia, logo não é, nem pode ser uma atividade institucionalizada, restrita as questões de caráter denominacional. Ministério é serviço. Serviço aplicado ao Reino de Deus para o Rei e Senhor do Reino.
                Sendo assim, quando se pensa em ministério, deve-se pensar “segundamente”, (se me permitem o neologismo), pois primeiramente deve-se pensar no Reino e na dimensão espaço-temporal de aplicação desse Reino, para então, e só depois, ser avaliada a dimensão relacional do ministério, enquanto serviço no Reino de Deus.
                Se pensamos o Reino como o governo de Deus sobre todas as questões temporais e conhecidas, temos que envolver dimensões como, as sociais, religiosas, culturais, políticas e econômicas. Em uma leitura histórico-sociológica das Escrituras Sagradas podemos perceber a preocupação e o cuidado de Deus sobre estas questões aplicadas ao Seu povo. Profecias condenando a injustiça social, o desequilíbrio econômico, o mau governo de vários reis. Oráculos se opondo a uma religiosidade totalmente descomprometida com a espiritualidade, com a ética e a afetividade no cuidado do próximo, são notórios no registro sagrado. De forma que, analisando a dinâmica do Reino, devemos pensar no compromisso espiritual, mas também intelectual do vocacionado.
                O nosso problema, é que a institucionalização da fé, restringe á ótica do compromisso as atividades eclesiológicas como sendo toda a laboração ministerial, o que de certa forma também restringe o envolvimento epistemológico do vocacionado, gerando uma falsa compreensão da não necessidade de conteúdo disciplinar para uma excelente formação ministerial. Pungente engano!
                Mas, por que será que isso ocorre desta forma?
                Por que evitar uma compreensão histórico-cultural da construção do texto sagrado a partir do meio onde ele foi produzido, se isto pode nos revelar as razões pelas quais o texto foi escrito e nos ajudar a melhorar nossa fé em Deus e Suas providências?
                Como avaliar a chamada “hermenêutica espiritual”, típica daqueles que tentam escapar dos fatos existenciais do registro sagrado em detrimento de uma interpretação alegórica?
                Por que pensar que o conhecimento teológico não pode ser contextualizado, a ponto de abarcar análises políticas, econômicas e sociais, sob o crivo do conceito de justiça divina?
                Creio ser possível responder estas questões e trabalhar as razões da teologia a partir de duas perspectivas, que são: A perspectiva da relevância teológica em relação ao ministério e a perspectiva da dinâmica da teologia em face dos muitos desafios que  a sociedade pós-moderna lança sobre o Cristianismo bíblico.
                Sobre a primeira perspectiva, gostaria de considerar que nossa construção religiosa, que ocorre dentro da ekklesia, da comunidade local, da instituição de fundamentos religiosos denominacionais, se dá numa dimensão inversamente proporcional aquela sugerida pelo academicismo teológico. A igreja trabalha com fé porque trabalha com proposta de salvação. A igreja compreendeu que a fé, aquela que leva o homem a salvação, vem pelo ouvir, logo a prioridade da igreja é a retórica, a homilia e não a análise teológica das questões contemporâneas. A igreja vive da oratória, sobrando para a pedagogia eclesiológica uma relação devocional com a teologia, de forma que a comunidade cristã trabalha com a devoção da doutrina e não com o academicismo teológico. A Igreja trabalha formando evangelistas e discipuladores, pessoas que cotidianamente compartilham suas convicções, e não formando mestres e doutores.
                Há algum mal nisso?  Absolutamente! Este é o meio, através da Graça de Cristo Jesus, pelo qual a igreja subsistiu progressivamente ao longo de sua história social.
                Porém, há que se considerar que neste particular, para aqueles que são vocacionados para o exercício dos ministérios do Reino, fica um déficit epistemológico da relevância da teologia em sua relação com a vocação.
                O que eu quero dizer com “déficit epistemológico da relevância da teologia”, é que a mente religiosa do candidato ao seminário, em função de sua ambiência, está a níveis aquém da compreensão da profundidade curricular pela qual ele deve passar, o que o leva aos conflitos quando descobre que seus conceitos primeiros sobre Deus e a Igreja, entre outros, por exemplo, não são compatíveis com aqueles apresentados pela instituição de ensino teológico, cuja preocupação não é apenas capacitá-lo para a execução de seu ministério de forma eficaz, mas propor-lhe condições para o exercício de um pensamento teológico coerente, capaz de avaliar criticamente e dar pareceres sobre as questões sociais, filosóficas e religiosas contemporâneas.
                Desta forma, percebe-se que existe um desafio gigante de se estabelecer um ministério saudável, próspero e fiel a Deus, a partir do envolvimento com as questões intelectuais e humanitárias e, percebe-se igualmente, que o melhor caminho para a capacitação do ministro é o estudo sério, profundo, amplo e dinâmico da teologia, não apenas como tendo uma dimensão devocional, mas como sendo uma ciência do conhecimento a respeito do seu objeto maior que é Deus e sua ampla relação com Sua criação, bem como o conhecimento do que resulta da dinâmica dessa relação a partir da análise bíblico-teológica de questões como a economia, sob a ótica da teologia econômica ou economoteologia e da teologia do mercado; da política sob a ótica da teologia política e da teologia da libertação; da sociedade sob a ótica da teologia da cultura, da teologia da secularização e da teologia feminina e da própria religião, não apenas sob a ótica das teologias sistemática e bíblicas, mas e também, sob a avaliação da teologia existencial, da teologia da libertação, e da teologia da morte de Deus (que possui profundas implicações filosóficas), isso entre outras.
                Com relação à segunda perspectiva, ou seja, a perspectiva da dinâmica da teologia em face dos desafios da sociedade pós-moderna, há que se pensar sobre as questões seculares que afligem à igreja no sentido das propostas comportamentais e que precisam ser avaliadas criticamente.
                Nos últimos cinquenta anos, aproximadamente, não apenas a sociedade, mas também a igreja evangélica nacional sofreu profundas influências em função do surgimento de novos movimentos religiosos e novas propostas de conceituação eclesiológica.
                O surgimento de movimentos de renovação espiritual dentro das igrejas históricas e denominacionais, que inclusive sobrepujou o tradicional movimento pentecostal, trouxe divisão às respeitáveis denominações evangélicas nacionais e influenciou a mudança do comportamento litúrgico além de induzir a uma nova proposta de convicção da membresia com relação às doutrinas bíblicas, principalmente aquelas voltadas para a pessoa do Espírito Santo de Deus e as atividades milagrosas de Jesus, levando a igreja a uma lamentável desarmonia doutrinária.
                O “movimento dos 12”, ou “visão dos 12”, ou somente “G12”, fundado em 1983 pelo pastor colombiano César Castellanos Domíngues da Missão Carismática Internacional em Bogotá, cujo objetivo principal é o de promover o crescimento da igreja, gerou uma comoção de proporções internacionais, levando muitas igrejas, no afã de angariarem membros e aumentarem sua economia, a abandonarem a visão bíblica de evangelização, principalmente a certeza de que é Deus “quem acrescenta à Igreja, todos os dias aqueles que se hão de salvar” (Atos 2:47), trazendo consequências danosas ao Evangelho nacional. Danos estes, inclusive, que se estendem até hoje.
                O movimento conhecido como Igreja com Propósito, o atual movimento da Igreja Emergente, novo no contexto brasileiro, mas já com aproximadamente quinze anos nos Estados Unidos, e o Movimento de Batalha Espiritual do Pr. Peter Wagner, que a semelhança do Movimento G12, objetiva o crescimento da Igreja, entre outros são exemplos de mudança conceitual da ideia denominacional de comunidade evangélica.
                O Movimento Neopentecostal, que surge no Brasil na década de 70, traz um novo perfil eclesiológico corporativista, configurando a igreja a partir de sua participação direta na política partidária, na sociedade e na economia, tendo inclusive como base ideológica a conhecida teologia da prosperidade.
                A pluralidade religiosa com sua proposta de estratificação da revelação da divindade e o diálogo inter-relioso sugerido pela Igreja Católica Romana, ambos com o sutil objetivo de promover o ecumenismo e a submissão ao primado de Pedro nas mãos do Vaticano, são outros exemplos de influência sobre a dinâmica religiosa evangélica no sentido de nos fazer perder de vista a unidade do corpo de Cristo, corpo este que preserva a verdadeira revelação da divindade.
                O trânsito religioso, fenômeno sociológico da religião, que acontece entre os evangélicos no Brasil, que se define pela distribuição dos crentes entre várias igrejas, principalmente as indenominacionais, característica esta das chamadas “Comunidades cristãs”, alimenta a busca por uma satisfação pessoal, a partir da indução às experiências místicas promovidas nos ambientes templários, levando muitos a uma verdadeira autossuficiência espiritual. A ideia é que a partir da experiência do fiel com Deus, ele é capaz de buscar igrejas que possam alimentar suas expectativas místicas e religiosas. É o conhecido “hedonismo espiritual”: Se alguma coisa em minha igreja não me traz prazer espiritual, então eu vou buscar em outra.
                Estas questões e, ainda existem algumas outras igualmente sérias para serem avaliadas pela teologia, já são suficientes para que percebamos que, por mais que estudemos, por mais que discutamos, por mais que leiamos, ainda há muito para se aprender, muito para ler, muito para ser discutido. Logo, aquele “tanto” quantificador apresentado na experiência inicial do seminário frente às disciplinas, se torna, ao final, a consciência de que tudo o que estudamos ainda não é o suficiente, e que a partir deste momento de conclusão de curso, temos a certeza de que não terminamos nosso aprendizado para o desempenho de nossos ministérios, pelo contrário, é agora que estamos começando. Pois tão dinâmico quanto à religião, são os desafios seculares pelos quais a Igreja de Cristo Jesus tem que passar. Logo, a conclusão lógica que podemos chegar é que precisamos continuar conhecendo intensamente aquele que nos chamou, não apenas em Sua pessoalidade, mas em Sua preocupação com este mundo tão corrompido pelas questões pecaminosas e que espera de nós um parecer que seja, não apenas satisfatório, mas salfífico.
                Se o que apresentamos não é suficiente para definir a relevância da teologia em nossa formação acadêmica, não sei mais o que poderei fazer se não apelar aos irmãos a que entendam que à medida que avançamos para o fim das eras, a ciência aumenta como nos informou o profeta Daniel, e em aumentando, se torna um elemento não apenas desafiador de nossas convicções cristãs, mas também um elemento motivador de comunicação com as religiões no sentido de construir uma única verdade. Uma verdade que satisfaça não apenas nossas ansiedades espirituais, mas também as intelectuais, tendo em vistas que espiritualidade e intelectualidade podem e devem caminhar juntas.
                Sendo assim, meu conselho e profundo desejo é que todos vocês caminhem pela estrada do conhecimento, indo ao mestrado, ao doutorado, ao pós-doutorado até que Cristo venha nos buscar.
                Pois, parafraseando nosso irmão o apóstolo Paulo, ainda que tudo passe, o conhecimento se perpetuará, pois é através dele que podemos, não apenas ter uma relação teórica com a vontade de Deus, mas, em conhecendo aquilo que o Sagrado deseja estabelecer uma relação prática com esta vontade na promoção do Reino de Deus, confirmando o ideal único e divino de uma sociedade escatológica onde não haverá mais nenhum tipo de necessidade, inclusive a intelectual.
                Deus abençoe a jornada ministerial de todos vocês.

Prof. Eduardo Gomes

Um comentário:

Elton Santana disse...

Professor belo texto, eu concordo com o senhor e acho que a teologia seja muito importante na nossa construção de fé, pois na minha opinião ter fé não quer dizer ser ignorante.