sexta-feira, 17 de junho de 2011

A Economoteologia Neopentecostal

      A Teologia neopentecostal, em função de sua dinâmica social de envolvimento do fiel aos pressupostos do movimento, bem como as suas pretensões de lucratividade simbólica, numa relação direta com a ideologia capitalista e neoliberal, pode ser definida como uma economoteologia, ou seja, uma economia teológica . A fé e o milagre, enquanto elementos aplicados ao meio litúrgico neopentecostal, servem em primeira instância para objetivar resultados conceituais de prosperidade que envolve, não mais subjetivamente, questões financeiras como sendo a resposta imediata da relação de compromisso da divindade com o investimento de fé que o fiel desenvolve com a instituição, fonte fundamental e representativa da atuação da força divina, para um melhor desempenho sócio-financeiro do devoto na sociedade de consumo. O dinheiro, símbolo de uma religiosidade sadia na retórica teológica neopentecostal, é o objetivo necessariamente final, pois em função de sua simbologia sagrada e de sua intercambialidade, assume o papel de elemento conclusivo da relação entre Deus e o seguidor do Movimento Neopentecostal. De forma que há uma construção teológica da relação do fiel com o sagrado que justifica a atitude da comunidade e impulsiona o devoto a um comportamento condicionado, que o leva a um investimento sem consequências e sem crise de consciência, definida pela articulação: fé, milagre e dinheiro. É fundamental que a articulação ocorra nesta ordem e não seja desarticulada, pois funciona como uma corrente subliminar imperceptível ao fiel em função de suas necessidades e de seu envolvimento emocional como as premissas teológicas neopentecostais aplicadas na liturgia cotidiana.
                A fé do devoto e o milagre com sua característica de excepcionalidade são os elementos mais importantes da Teologia neopentecostal, é em torno destes dois elementos fundamentais do movimento, que giram os outros conceitos teológicos: Bíblia, Jesus Cristo, Salvação, Igreja e Anjos e Demônios. Obviamente a Teologia neopentecostal trabalha ideologicamente com critérios de relevância para a promoção e sustentação do movimento, de forma que os assuntos que não contribuem para a dimensão da instituição não possuem relevância ou são tratados de maneira subjetiva afim de não causarem dissabores ao clero ou permitirem questionamentos que gerem desconforto para os fiéis.
                A fé é tratada como sendo uma obrigação de quem traz as suas necessidades para dentro do movimento, de forma que, como não existe uma catalogação de situações e necessidades que explique um nivelamento de fé, o devoto, caso queira a solução de seu problema de forma imediata, é desafiado, ou mesmo ajudado em função da exploração do que se conhece como sendo os “pontos de contatos”, a depositar crença total nas proposições teológicas apresentadas para as soluções. Proposições, estas, que veem na forma de mercadorias da fé, e que devem ser adquiridas por módicos investimentos que explicam o nível de influência da Teologia do neopentecostalismo e a relação de compromisso do fiel com o Movimento.
                O milagre, que explora o sobrenaturalismo, funciona como um processo hermenêutico que contribui para a promoção de convicção. É diante do fato visto ou ouvido, que o fiel é levado a depositar inteira confiança na instituição, uma vez que a ocorrência do sobrenatural localizado no templo funciona como fator determinativo da presença de Deus naquele lugar. O templo é o local depositário do poder de Deus para solução de todas as necessidades humanas. Desta forma, a instituição funciona como um verdadeiro “centro hospitalar de espiritualidade”, de onde fluem as forças necessárias, decodificadas nas manifestações sobrenaturais através das curas, exorcismos e milagres.
                A Teologia neopentecostal não reconhece o conceito bíblico de milagre, onde a presença divina na vida cotidiana do fiel é considerada como sendo algo milagroso, pelo contrário, a Teologia do Movimento Neopentecostal, aproveita o modelo antigo e médio-Medieval de concepção de mundo explorando o trânsito espiritual entre o céu, morada de Deus e dos Seus anjos, e a Terra, habitação dos espíritos malignos, a fim de justificar a doutrina de males deste mundo aplicados ao Diabo e aos demônios.
                A Teologia neopentecostal desenvolveu, ainda, conceitos como Batalha Espiritual e Confissão Positiva, como instrumentos de vitória na vida do fiel diante das propostas de conflitos que envolvem problemas familiares, doenças incuráveis, desemprego, entre outros. Situações que se aplicam a toda a raça humana e que são interpretados como não sendo algo favorável, logo não são vindos da parte do sagrado, mas da presença e influência satânica entre os seres humanos desde a origem do pecado através de Adão e Eva.
                Por ser uma teologia de impacto comunitário, ela desenvolve a partir da exploração da fé do devoto e do milagre como elemento de confirmação da convicção do fiel, uma pretensão econômica, traduzida no conceito de prosperidade. Ser próspero é ser abençoado por Deus. De forma que a solução para todos os problemas financeiros da humanidade se reduz ao modelo de troca de mercadorias simbólico-religiosas: ofertas x prosperidade financeira e saúde física e emocional. 
                O modelo hermenêutico da Teologia neopentecostal, inverte a perspectiva de cuidado divino a partir de uma interpretação bíblica condicionada pelas necessidades pessoais e pelo empirismo: são as necessidades atreladas as práticas religiosas propostas que traduzem a compreensão que o devoto deve ter do texto sagrado, de forma que a Bíblia torna-se refém da experiência com o sobrenatural.
                Quando as instituições geradoras de sentido perdem a sua objetividade, não se permitindo respostas concretas e satisfatórias às questões sociais, econômicas e espirituais precárias por que passam a humanidade, é a Teologia neopentecostal que obtém prioridade com sua retórica definitiva da luta entre as forças espirituais do bem e do mal, pontuadas por Deus e o diabo, evidenciando a vitória do sagrado sobre a fonte satânica de todo o mal e permitindo ao fiel um abrandamento das crises econômico-sociais e um direcionamento comportamental condizente com a sedução litúrgica sustentada por um excepcional trabalho de marketing religioso.
                Os valores passam, então, a ser invertidos. Na proposta da Teologia neopentecostal, não é mais Deus quem determina o comportamento que o fiel deve ter na sua relação com o sagrado, mas sim o devoto quem diz como Deus deve se comportar diante do compromisso, prioritariamente financeiro, do fiel com a instituição na solução de seus problemas e no cuidado de suas necessidades.
                Diante do exposto, os fundamentos do cristianismo bíblico passam a ser desafiados em função da proposta de adequação da religião cristã ao sistema secular. Há uma tentativa de aculturação do sentido bíblico de fé e milagre em detrimento de uma nova interpretação a uma melhor forma de vida nesta era presente.
                A questão fundamental que nos resta a partir da presente avaliação da Teologia do Movimento Neopentecostal e que, inclusive, pode ser objeto de uma nova pesquisa é: Será que o cristianismo contemporâneo, com seus movimentos religiosos, não está cometendo o mesmo equívoco do cristianismo do século XIX que com sua tentativa de tornar a fé cristã acessível a uma classe mais elitizada, intelectualizou a hermenêutica bíblica e com isso permitiu o surgimento do liberalismo teológico, afastando os cristãos do verdadeiro sentido da fé e do milagre e consequentemente, da verdadeira relação com Deus e Sua vontade, guardando-se as devidas proporções e intencionalidades?
                Acredito que valha a pena avaliar mais pormenorizadamente a questão da relação de convicção entre e o devoto e a proposta da Teologia neopentecostal, pois da relação da fé com o objeto dela mesma depende toda a existência humana. Afinal, ao contrário do que possa parecer, somos aquilo que acreditamos.

Eduardo Gomes

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