sábado, 25 de junho de 2011

O sistema teológico neopentecostal de proposta de salvação e seu apoio idelógico

(Parte de minha dissertação de Mestrado em Teologia sob o título: A Teologia do Movimento Neopentecostal: A fé e o milagre como processos hermenêuticos para promoção de convicção)
                       
      Uma marca muito forte do neopentecostalismo é a prevalência dos sinais sobre a essência. Neste particular, o neopentecostalismo apela para o irracionalismo filosófico e seus pregadores desconsideram condições intelectuais melhores, desdenhando, inclusive, dos pregadores mais bem preparados. Explorando a essencialidade, o neopentecostalismo se inclina para uma performance mercadológica com uma proposta peculiar de oferta de bens salvíficos. Sobre esta questão das “ofertas neopentecostais”, apresento as considerações do professor João Décio Passos (Professor da Pós-graduação em Ciências da Religião a PUC), que entendo ser importante:
As ofertas são, quase sempre, proporcionais às procuras dos grupos humanos, com suas condições sociais e suas referências culturais específicas, por isso mesmo elas costumam acompanhar as transformações sofridas pelos mesmos grupos ao longo da história (...). A oferta de bens salvíficos do neopentecostalismo é a marca que o caracteriza como tal, estando presente nos discursos e nas práticas das diversas igrejas que o compõe (...) Na lógica da oferta neopentecostal, a solução está dada por Jesus, a igreja oferece o ritual de aquisição por meio de um gesto que permite ao fiel demonstrar sua fé no poder de Jesus. O fiel demonstra sua fé doando a Deus o que pode ou o que pede a prodigalidade de sua fé (...). A posse da bênção tem um conteúdo concreto que responde às necessidades e desejos mais prementes das pessoas, de modo particular das mais pobres, e uma teologia que sustenta o sistema de crenças neopentecostais. Essa teologia afirma que a vida desejada e planejada por Deus para os seus filhos é a vida feliz, ou seja, satisfeita de todos os bens. Doar é tomar posse dos bens que Deus destinou a seus filhos. Tudo o que perturba a ordem original deve ser desfeito pelos rituais da cura e do exorcismo, para que a bênção possa fluir (...). A teologia da prosperidade é, nesse sentido, a formulação mais madura desse processo de controle ritual da salvação, centrada, por um lado, na experiência de fé individual e, por outro, na habilidade dos pastores em provocar milagres. Tal desenvolvimento da concepção e da prática de salvação pentecostal vai ter um encontro decisivo com tendências protestantes da chamada confissão positiva, que afirma o poder da fé como força capaz de realizar transformações e milagres na vida das pessoas (...). A teologia da prosperidade resolve, portanto, o problema da salvação na história, delimitando-a na realização do bem-estar presente. (PASSOS, João Décio. Pentecostais: Origens e começo. São Paulo: Paulinas, 2005, p. 61)

      O sistema teológico do neopentecostalismo, sustenta uma prática de troca em que Deus doa na medida em que o fiel também doa. As indulgências, contra as quais o fundador do protestantismo levantou-se com todas as forças da inteligência e da vontade, sofrem uma reedição modernizada. Na teologia da indulgência, a oferta de bens era barganhada em troca de bens futuros, os valores monetários eram trocados por valores escatológicos. A aplicação no mercado do futuro continua, porém de um futuro que vai realizar-se na história, com correções e juros. As obras não apenas salvam como estabelecem o princípio seguro e compensador da proporcionalidade.
      No neopentecostalismo, as ofertas e dízimos localizam-se dentro dessa lógica, que reproduz, no âmbito teológico e ritual, a regra moderna do mercado. Embora todo o discurso que rege a relação de troca seja teológico, não se trata de uma mera metáfora do mercado, mas de um mercado real, cujos rendimentos, embora ignorados em sua contabilidade pela população e pelos próprios adeptos, atingem significativas somas.
      A forma como esta “teologia do mercado” se apresenta nas igrejas neopentecostais revela um elaborado trabalho de marketing. Considere o que o professor João Décio tem a dizer a este respeito:

O que se pode observar, empiricamente, nessas igrejas revela uma organização administrativa subjacente, ainda que sua mecânica e estratégia não sejam reveladas em detalhes aos pesquisadores. Quem visitar um culto, pode dizer que visitou todos ao menos naquilo que compõe a sua lógica de fundo. A arquitetura, as músicas, a sequência dos cultos, o tom da pregação, os uniformes dos obreiros, os papéis e funções, até os textos bíblicos utilizados, mantêm o mesmo padrão, o que aponta para uma organização e um planejamento centralizado. Embora não haja estudos específicos, no geral essas igrejas parecem adotar o sistema de franchising para abertura de novas igrejas. De qualquer forma, trata-se de organização fortemente centralizada, que executa um plano comum, o qual inclui a preparação dos pastores nas estratégias de marketing. Sobre essa questão não há dúvida de que a equação sujeito (necessidade e desejo) + produto (oferta) = linguagem (adequada) que rege o processo de comunicação do neopentecostalismo, ainda que fosse de modo inconsciente, numa espécie de afinidade eletiva com a cultura do consumo hegemônica em nossos dias. (PASSOS, João Décio. Pentecostais: Origens e começo. São Paulo: Paulinas, 2005, p. 74).

      O que efetivamente vai dar o apoio ideológico à estrutura mercadológica do neopentecostalismo é a Teologia da Prosperidade. Chamamos de Teologia da Prosperidade o que nos EUA, local de sua origem, além desse nome, é rotulado por seus críticos de Health and Wealth Gospel, Faith Movement, Faith Prosperity Doctrines, Positive Confession entre outros. Reunindo crenças sobre cura, prosperidade e poder da fé, essa doutrina surgiu na década de 40, mas só se constituiu como movimento doutrinário no decorrer dos anos 70, quando encontrou guarida nos grupos evangélicos carismáticos dos EUA, pelos quais alcançou visibilidade e se difundiu para outras correntes cristãs. Sob a liderança de Kenneth Hagin, nascido no Texas em 1917, o movimento da Confissão Positiva difundiu-se para inúmeros países. O termo Confissão Positiva, refere-se literalmente à crença de que os cristãos detêm o poder, prometido nas Escrituras e adquirido pelo sacrifício vicário de Jesus, de trazer à existência, para o bem ou para o mal, o que declaram, decretam, confessam ou determinam com a boca em voz alta.
      A Teologia da Prosperidade prega que o crente pode alterar a realidade por meio da palavra proferida com fé. Já o New Thought, fonte de inspiração dessa teologia, promete o mesmo, mas põe o pensamento no lugar da palavra. Segundo Wilson (1970, p. 157), “era um lugar comum das obras do Novo Pensamento assinalar que os homens criavam a riqueza, a saúde e a felicidade mediante a prática de uma higiene mental. Mediante o pensamento, os homens manipulariam suas próprias circunstâncias e o mundo.” Essa crença parece estar na raiz de parte da literatura esotérica e de auto-ajuda que invadiu os EUA, a Europa e o Brasil nas últimas décadas. Os livros de Lair Ribeiro, que prometem o Paraíso na terra por meio da “programação neurolinguística”, parecem ter suas técnicas e premissas oriundas do New Thought.
      Para a Teologia da Prosperidade, confessar não tem absolutamente nenhuma conotação de pedido ou suplica a Deus, pois estas são atitudes reprováveis, demonstrações de pouca fé, sinais de ignorância da forma correta como o crente deve se relacionar com Deus. O que o fiel deve fazer é exigir, reivindicar em nome de Jesus para “tomar posse das bênçãos” a que tem direito. O mais interessante ainda é que além de exigir, o fiel deve crer a priori que já recebeu as graças, apesar de elas ainda não terem se concretizado no plano material. R. R. Soares, principal difusor das obras de Kenneth Hagin, T. L. Osborn, Gordon Lindsay, Ken Jr. e Fred Price, famosos representantes da Teologia da Prosperidade, prescreve a receita da vitória:

Somos hoje aquilo que algum tempo atrás consciente ou inconsciente havíamos declarado que seríamos, e que seremos no futuro próximo tudo que agora estamos declarando (...). São as nossas palavras que nos governam, que nos dão saúde, paz, prosperidade e felicidade. São também as nossas palavras que nos fazem derrotados, doentes e miseráveis (...). Só conseguiremos aquilo que falamos (...). Temos aprendido que a parte de Deus em relação a nossa cura já foi feita. Hoje somos nós que temos que fazer a nossa parte (...). São unicamente as nossas palavras que nos dão saúde (Curso de fé, Lição IX, As Palavras, In MARIANO, 1999)

     Algumas vezes, estes pregadores da Teologia da Prosperidade com ênfase na Confissão Positiva, exageram. Veja a citação abaixo de R. R. Soares:
                               
Nós perdemos muitas bênçãos de Deus por não conhecermos a Palavra de Deus (...). Se você tem a Palavra de Deus, você é poderoso. Se você não é poderoso, Deus não está com você. Nós somos seres humanos, mas quando assumimos a palavra de Deus é como se nós fôssemos deuses poderosos. O crente tem que agir e operar como se fosse Deus (R. R. Soares, 7.12.91 – Sermão)

          No Brasil, a Teologia da Prosperidade inicia sua trajetória nos anos 70, mesmo já se delineando a partir dos anos 60. Robert McAlister, fundador da Nova Vida, parece ter sido o pioneiro no trato da questão da prosperidade financeira nos meios pentecostais, mas não da Teologia da Prosperidade propriamente dita. Já no começo dos anos 60 ele publicou o livreto “Como Prosperar”, orientando os crentes a serem fiéis no pagamento do dízimo para terem as finanças abençoadas. Em 1981 publicou “Dinheiro: um assunto altamente espiritual”, no qual criticava, por um lado, os pastores que viam o dinheiro como a “raiz de todos os males” e, por outro, o triunfalismo dos “supercrentes”, pregadores da Teologia da Prosperidade, que viam a prosperidade como “prova da espiritualidade e das bênçãos de Deus”, tratando este como um “empregado sempre à disposição” ou tentando “fazer negócios” com Ele. Crítico dos “negociadores de bênçãos”, todavia, mesmo com esta oposição orientada, McAlister ensinava que se o fiel desejasse garantir seu futuro financeiro, ele deveria pagar seu dízimo e dar ao Senhor uma oferta de amor.
          Para os defensores da Teologia da Prosperidade, a expiação do Cordeiro libertou os homens da escravidão ao Diabo e das maldições da miséria, da enfermidade, nesta vida, e da segunda morte, no além. Os homens desde então, estão destinados à prosperidade, à saúde, à vitória, e à felicidade. Para alcançar tais bênçãos, garantir a salvação e afastar os demônios de sua vida, basta o cristão ter fé incondicional e inabalável em Deus, exigir seus direitos em alta voz e em nome de Jesus, e ser obediente e fiel a Ele no pagamento dos dízimos.
     A Bíblia, obviamente, endossa este perfil próspero do cristão, de forma que se faz necessária uma avaliação da maneira como o neopentecostalismo trabalha com os textos sagrados a fim de propor uma sustentação divina revelada excepcionalmente nas páginas do livro santo.
(Continua)

Um comentário:

Lya Alves disse...

‎" Uma marca muito forte do neopentecostalismo é a prevalência dos sinais sobre a essência. Neste particular, o neopentecostalismo apela para o irracionalismo filosófico e seus pregadores desconsideram condições intelectuais melhores, desdenhando, inclusive, dos pregadores mais bem preparados. " - não ralei 4 anos no seminário pra ouvir um ignorante dizer que seminarista não tem espiritualidade. Só Deus sabe o milagre que foi chegar ao fim.Mas é mais fácil desdenhar do que estudar 4 anos.
Neste contexto emburrecido, o crente que pensa é visto como uma ameaça potencial, porque ele pensa, discute, questiona, polemiza e Não tem mentalidade de rebanho (no sentido nietszcheano da expressáo).
Abç